01 agosto 2013

Um Flerte Cósmico: a história das ocultações por corpos celestes


Já se deparou andando tranquilamente pela rua numa tarde morna dessas de verão quando de repente dá de cara com o Sol à sua frente, com toda sua majestosidade luminosa e se sente totalmente ofuscado? Das reações mais comuns, a mais instintiva creio que seja cerrar as pálpebras até que só uma ínfima quantidade de luz penetre sua retina. Ok, mas a segunda mais instintiva deve ser bloquear o Sol com a mão. Ou seja, você tapa um disco de 1,5 milhão de quilômetros de diâmetro com apenas a palma de sua mão, cerca de cem vezes menos que um metro quadrado. Como isso é possível?
Para responder essa pergunta, temos que recorrer à um fator importante que foi omitido acima: a distância. O Sol está situado a 150 milhões de quilômetros de você, enquanto sua mão está a poucos centímetros do seu rosto. Ah, mas isso você já sabia, certo? Essa relação de tamanho e distância é responsável pelos os eclipses solares e lunares.
Um eclipse solar é quando a Lua está situada entre o Sol e a Terra e momentaneamente ela oculta o disco solar. Como o Sol está relativamente próximo de nós, ele é considerado um corpo extenso, pois conseguimos distinguir suas dimensões, diferentemente de uma outra estrela qualquer, que é adimensional, do nosso ponto de vista.
Generalizando essa afirmativa, podemos estender esse conceito para definir que o bloqueio total da luz oriunda de um corpo celeste qualquer (e.g. estrelas, planetas, planetas anões, cometas, asteroides, planetesimais), emitida ou refletida por ele, por um espaço de tempo mensurável, é chamada ocultação.
Quando o objeto celeste a ser ocultado possui dimensões para o observador, de forma que apenas uma parte da luminosidade proveniente deste corpo é bloqueada, grosso modo, temos uma ocultação parcial, que recebe o nome de trânsito. Este é um dos principais métodos de detecção de exoplanetas, onde a luminosidade total da estrela cujo planeta orbita é diminuída devido à passagem do planeta em frente à estrela.
Hoje vou contar um pouco da recente história das ocultações e sua importância para a Astronomia.
Desde o advento do telescópio na Holanda em 1608, abriu-se uma das portas da percepção dos homens em relação ao seu lugar no universo. Logo depois disso, em 1676, um tal de Römer, observando as luas galileanas (as 4 maiores luas de Júpiter: Io, Europa, Ganimede e Calisto), percebeu algumas diferenças entre a predição e o observado. Foi Römer o primeiro a estimar a velocidade da luz! Notou o evento quando observava a ocultação e o reaparecimento daqueles satélites, que o tempo previsto para o ressurgimento não condizia com o observado. Estimou a velocidade da luz em 208.000 km/s. Velocidade quase inconcebível para a época, porém defasada em um terço da velocidade real (c = 300.000 km/s).
Com o passar dos anos, as técnicas foram se apurando e cada vez mais os telescópios ganhavam precisão óptica, porém diversificando cada vez mais seu uso. O primeiro reporte ou anúncio que se tem notícias de uma verdadeira ocultação foi em fevereiro de 1958, quando, observando na região de Malmo, entre a Dinamarca e a Suécia, dois astrônomos, Bjorklund e Muller, observaram a ocultação de uma estrela de magnitude 8,2 da constelação de Orion - o Caçador - por um asteroide chamado 3 Juno. A estrela desapareceu por um intervalo de tempo de 7,2 s . Porém, não conseguiram obter muitos dados dessa ocultação.
Até que em fevereiro de 1975 houve a primeira observação de uma ocultação bem sucedida feita por um time de astrônomos em New England, EUA, onde 9 deles observaram a ocultação da estrela kappa geminorum, de magnitude 3.6 pelo asteroide 433 Eros. A partir dos dados coletados por esse time, o tamanho de 433 Eros foi determinado como sendo de 14,8 km por 6,9 km.
Depois disso, conseguiram gravar em vídeo e inclusive fazer fotografias dessas ocultações. Foi a partir desses dados que conseguimos definir vários parâmetros sobre os objetos que ocultam as estrelas como suas dimensões e elementos orbitais.
Outras características podem ser definidas também por ocultações de estrelas por asteroides. Por exemplo, se você está acompanhando uma ocultação e a estrela pisca por um determinado tempo e volta ao seu brilho normal e, em seguida, pisca novamente, isso é um grande indicativo que se trata de uma ocultação por corpo duplo.
Plutão foi descoberto em 1930, mas demoramos outros 56 anos para descobrir que possuía atmosfera. Essa descoberta foi graças a uma ocultação: em 1986, quando as predições diziam que Plutão iria ocultar uma estrela, os astrônomos apontaram seus telescópios, já bem mais modernos nesta época, e viram uma pequena diminuição repentina na luz dessa estrela antes da ocultação propriamente dita iniciar em si. Depois de uma análise mais cuidadosa, concluíram que tratava-se da atmosfera de Plutão que, apesar de ser bem escassa, existe.
E hoje, com equipamentos mais modernos ainda, podemos fazer predições muito boas dessas ocultações por asteroides. E como estamos numa época em que Plutão está cruzando o centro da via láctea (visto do nosso referencial, é claro!), muitas ocultações estão previstas para os anos vindouros. Por mais que já tenhamos muitas informações sobre tal planeta anão, essas ocultações de estrelas por Plutão são importantes para refinar seus dados orbitais, já que temos uma sonda – New Horizons – viajando para lá desde 2006, com previsão de chegada para 14 de julho de 2015.
Porém não é de qualquer local que se pode observar uma ocultação. Na verdade ela se dá por uma faixa bem estreita no sentido do movimento angular do corpo, tomando como a estrela a ser ocultada e o local de observação (a Terra) como fixos! Na maioria das vezes, a equipe tem que se deslocar até um local privilegiado à tal ocultação, que funciona como um encontro do observador com a estrela. Nesse flerte celestial, ela pode ou não dar uma piscadela. Caso ocorra, haverá um longo romance para entender o fenômeno e tirar suas conclusões.
Nós, dos Sombreros, pretendemos participar mais efetivamente com essas observações mais técnicas e quem sabe em breve poder colaborar efetivamente com esses raros relacionamentos, levando adiante essa paquera que nos une.

João Fonseca

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